Vício Maldito

I

Acordo, e no primeiro gesto amarro
o vício da procura de um cigarro,
e fumo com prazer extasiante!
Deus meu! Onde deixei a consciência?
Pra que me concedeste a inteligência
se sempre a abandonei sendo fumante?

Defronto-me no espelho: há um tom bizarro.
E volto a procurar outro cigarro
no maço que deixei não sei mais onde…
E fumo, desta vez mais consciente,
à espera que essa droga me arrebente,
deixando a inteligência, que se esconde.

É tarde, e o meu café tomo no carro
(nos dedos já me espera outro cigarro)
e limpo o para-brisa que eu embaço.
Alheio ao meu horário, a ser cumprido,
surpreendo-me num bar, fraco e abatido,
mas seco pra comprar um novo maço!

Prometo não fumar e nisso esbarro:
“— Amigo, como vai? Toma um cigarro!”
De novo, lá estou eu; na boca, o crivo…
Não sei por que fumei, mas tá fumado,
não sei por que tornei-me um viciado,
não sei nem mais dizer por que estou vivo…

II

Só sei que nada sei, e quando escarro,
cruz credo! O culpado é o meu cigarro
que sempre vem me enchendo de fumaça!
E lá se vai mais um num cafezinho,
mais outro que fumei pelo caminho,
e assim, sem perceber, a vida passa…

Se limpo meu jardim, se a casa eu varro,
(maldito canudinho) o meu cigarro
tem sempre que atrasar o meu serviço,
no tempo que eu gastar à sua procura,
nas roupas que o danado sempre fura,
ou mesmo pra sugar o tal roliço!

Convicto, o abandono, e até me agarro
às balas em lugar do meu cigarro,
propondo-me de vez a não fumá-lo.
Com tempo meus amigos se acostumam
(e penso: mas se todos eles fumam
e eu não,
como cumprir o que me falo?)

E assim os meus amigos pela rua
perguntam se a promessa continua
e chegam a tirar de mim um sarro!
Eu, burro, já tão fraco e abatido,
acabo me deixando por vencido
e deles tiro apenas um cigarro!

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