Sobre

barbudo

Resumo (?)

Depois de quase sete décadas de vida qualquer pessoa poderia escrever um livro sobre si própria. A gente se assusta quando calcula o número de dias que já viveu, e agradece a cada despertar por poder somar mais um à conta, mas percebe que está muito mais distante da data de seu nascimento do que do dia do fechamento das cortinas.

Minha mãe e eu na casa de Campo Belo.

Nascido na Capital paulista em meados do século passado, filho temporão e único homem no quarteto que formava a prole de Célia e Orlando, sempre fui muito curioso e, talvez por isso mesmo, precoce. Aos seis anos de idade fiz meu primeiro pedido de casamento, por escrito. Apesar de alfabetizado, tive que esperar o ano seguinte para ser matriculado no Colégio Claretiano, na Rua Jaguaribe, e, por força das circunstâncias, só aproveitei ali o primeiro semestre do ano letivo. Mudamo-nos para a Vila Olímpia quando aquele bairro ainda contava com pequenas chácaras e suas ruas eram desprovidas de calçamento e iluminação pública.

Ali, onde eu passaria o resto de minha infância e adolescência, morávamos num sobrado geminado que portava o número 816 da Rua Ministro Jesuíno Cardoso, ao lado do Açougue Yara, na Vila Olímpia. Aquele já era meu quarto endereço, depois da Vila Mariana, Campo Belo e Santa Cecília. 

Foi ali que aprendi a conviver com outros meninos e a me defender (depois de apanhar muito), afastando as preocupações que minha convivência com mulheres causava.

Influências

Embora recebesse estímulos artísticos advindos das profissões de meus tios em rádio e televisão, e pela oportunidade de assistir de perto a músicos e cantores da época, me senti atraído pela música a partir da chegada do primeiro disco dos Beatles ao Brasil. Observando os que tocavam, fui descobrindo os primeiros acordes no violão. 

A aproximação com a poesia deu-se graças à aptidão de meu avô materno, Chiquito, e a seus filhos, provavelmente herdeiros desse dom, registrado em alguns antepassados.

Aos quinze anos, a afinidade com amigos que mostravam a mesma paixão permitiu a formação da banda Xétrias, cuja apresentação de estreia aconteceu num posto de gasolina, no Largo Ana Rosa. Foram quatro anos de muitos prazeres e emoções.

Ricado (ao fundo), Chicão, Mario e Carlos.

Os xátrias, chátrias ou chatrias formam uma das quatro castas no hinduísmo. Constituem a ordem dos altos postos militares e na sua maioria governantes do tradicional sistema social védico-hindu, e suas famílias, tal como definido pelos Vedas e pelo Código de Manu . 

Adotamos o nome Xétrias para a banda, numa adaptação da classe que correspondia aos guerreiros nascidos do deus Brahma. E fomos os primeiros a dispensar o artigo “os” no nome da banda.

O velho Chiquito, ou Francisco de Toledo Duarte, foi, para mim, um grande inspirador em vários sentidos. Em todas as comemorações de aniversário, bodas e dia dos namorados, ele nos surpreendia com uma poesia, homenageando minha avó, Olga, e àquela união, declamando seu intenso amor. Sua singeleza me tocava.

“Fito teus olhos com amor sem par,
E eis que sorrio e tu também sorris.
Tu não evitas esse meu olhar
E isso me basta para ser feliz.”

 

Abandono

Precoce, como sempre, resolvi me casar cedo, em setembro de 1972. Sentia-me maduro e preparado, e sabia que a vida a dois exigiria sacrifícios, mas jamais imaginei que, de imediato, sofreria pressão para me afastar de meus amigos e do meu violão.

Nesse tempo, aproveitei a oportunidade surgida no banco onde eu trabalhava, sendo um dos selecionados para formar a equipe que implantaria os primeiros sistemas computadorizados naquela organização. Assim começou minha carreira como Programador, depois, Analista de Sistemas e, mais tarde, coordenador de projetos.

Foram quase oito anos distante do instrumento que mais tarde eu chamaria de “Amigo do Peito”. Finalmente, em 1980, por sugestão de um colega, tive minha primeira participação num festival de música.

Os anos oitenta marcaram uma época de muita inspiração, provocada, muitas vezes, por desilusões e amores platônicos, mas também com pitadas de humor. Participei de muitos festivais, mas tive que me redescobrir quando a economia começou a afetar o mercado de trabalho, principalmente a partir da metade daquela década, quando finalmente entendi o significado de ter que “matar um leão por dia”. Aprendi muito. Fui  professor, comerciante, carpinteiro, marceneiro, mestre de obras, aspirante de arquiteto, serralheiro de alumínio. Enfim, nunca desisti de mim mesmo, apesar de todas as perdas.

Vida nova no novo milênio

Vivi em São José dos Campos durante 34 anos. Cheguei àquela cidade em 1974, com a Engesa, e a tenho como cidade do coração até hoje, com o sonho de um dia – quem sabe? – voltar. 

A despeito de todas as notícias publicadas à época sobre o bug do milênio, o único bug que percebi aconteceu na minha vida, com diversas perdas irreparáveis. Graças a isso, formou-se em mim uma “casca de proteção”, uma espécie de renascimento acompanhado do abandono paulatino da “sensibilidade” que me tornava vulnerável à inspiração romântica. Foi algo parecido com o processo inverso da transformação da lagarta em borboleta. 

O último festival de música do qual participei foi um engodo promovido em Mogi das Cruzes, em 2003. As poesias e fotos, consideradas como uma  reserva pessoal,  foram mantidas em caixas de papelão e nunca mais foram manuseadas. Até agora.

Se eu tiver a longevidade de meus parentes, com sorte talvez alcance os oitenta anos. Isso significa que já vivi cerca de 85% da minha vida. Minha esposa me disse, várias vezes, que tudo que fiz se perderia se eu não mostrasse aos outros. Por isso resolvi aproveitar os 15% restantes para “abrir meu baú” e compartilhar seu conteúdo. Espero que esse gesto ajude outras pessoas a compreenderem o que sou.