Roda

Cansei, e cansado
pus-me a teu lado,
dei-te um sorriso
dos que eu me acuso
de estar usando
quando te induzo
a ter pensado
no que pensei.

Sorriso dado,
eu a teu lado,
meio indeciso,
meio confuso,
tonto, girando
qual parafuso,
quieto, cansado
que só eu sei…

E ali parado,
eu a teu lado,
mesmo indeciso,
mesmo confuso,
tonto, brincando
como um intruso,
cego e calado
como me dei,

cansei… e cansado
pus-me a teu lado,
dei-te um sorriso
dos que eu mais uso,
mesmo pensando
no meu abuso
de ter te olhado…
E, então, te amei.

Poetando

Olhas para mim e falas das coisas que já conheço.
Parecem novas.
Falas de mim como quem sabe do meu avesso.
São tuas provas.
Gostas de mim como quem ama cada começo.
Recitas trovas…
Quando sorris tens o sorriso de um ser travesso.
São tuas covas.
E a cada beijo que me dás sem dar o preço…
Tu me renovas.

Vício Maldito

I

Acordo, e no primeiro gesto amarro
o vício da procura de um cigarro,
e fumo com prazer extasiante!
Deus meu! Onde deixei a consciência?
Pra que me concedeste a inteligência
se sempre a abandonei sendo fumante?

Defronto-me no espelho: há um tom bizarro.
E volto a procurar outro cigarro
no maço que deixei não sei mais onde…
E fumo, desta vez mais consciente,
à espera que essa droga me arrebente,
deixando a inteligência, que se esconde.

É tarde, e o meu café tomo no carro
(nos dedos já me espera outro cigarro)
e limpo o para-brisa que eu embaço.
Alheio ao meu horário, a ser cumprido,
surpreendo-me num bar, fraco e abatido,
mas seco pra comprar um novo maço!

Prometo não fumar e nisso esbarro:
“— Amigo, como vai? Toma um cigarro!”
De novo, lá estou eu; na boca, o crivo…
Não sei por que fumei, mas tá fumado,
não sei por que tornei-me um viciado,
não sei nem mais dizer por que estou vivo…

II

Só sei que nada sei, e quando escarro,
cruz credo! O culpado é o meu cigarro
que sempre vem me enchendo de fumaça!
E lá se vai mais um num cafezinho,
mais outro que fumei pelo caminho,
e assim, sem perceber, a vida passa…

Se limpo meu jardim, se a casa eu varro,
(maldito canudinho) o meu cigarro
tem sempre que atrasar o meu serviço,
no tempo que eu gastar à sua procura,
nas roupas que o danado sempre fura,
ou mesmo pra sugar o tal roliço!

Convicto, o abandono, e até me agarro
às balas em lugar do meu cigarro,
propondo-me de vez a não fumá-lo.
Com tempo meus amigos se acostumam
(e penso: mas se todos eles fumam
e eu não,
como cumprir o que me falo?)

E assim os meus amigos pela rua
perguntam se a promessa continua
e chegam a tirar de mim um sarro!
Eu, burro, já tão fraco e abatido,
acabo me deixando por vencido
e deles tiro apenas um cigarro!

Noites Vazias

(A cela em meu quarto)

Num canto do meu quarto, duas paredes
que encerram-me ao limite do concreto;
as teias de uma aranha, como redes,
à espera da chegada de um inseto.

A porta do meu quarto é o horizonte
e, dentro dele, nada faz sentido…
não há quem queira ouvir ou que me conte
da doce sensação de ser querido.

Além destas paredes, outras delas,
mais outra, com, talvez, mais uma porta.
Lá fora, apenas barras paralelas
e o resto de uma árvore já morta.

Verso Reverso

Você chegou pra mim pedindo um verso,
Querendo conhecer meus pensamentos,
Tentando descobrir meu universo,
Talvez pra preencher alguns momentos…

E eu, pra te atender, fiz o que pude.
Pensei no que dizer e, com cuidado,
Sem ser como a criança que se ilude,
Passei a rascunhar este recado:

— Descubra o que há em mim, por simples tato,
Por toque, pelo gosto ou pelo olfato,
Jamais pelo que ouve ou o que vê.

Pois tudo que eu pensar a seu respeito
Será porque me acho no direito
De ter, sentir, querer e amar você!

Rei Morto

Eu,
no exercício do poder que aqui me é dado,
comunico a todo povo em meu reinado
que a ninguém é permitido proibir;
comunico que, cansado desta vida,
abdico, e à palavra “proibida”
me concedo, só a mim mesmo, o “decidir”.

Comunico que, a favor de uma verdade,
é restrita a palavra “liberdade”
a quem livre já se tem como pessoa.
E entre todos os meus servos dedicados,
não conheço um só com tantos predicados,
fora eu, que já detenho essa coroa…

Como Rei, poderoso e auto-eleito,
cabe a mim decidir o que é direito
e também condenar a quem merece;
cabe a mim fazer uso dos poderes,
dividir entre vós os meus deveres
e ajudar para o fim de quem padece.

Ninguém mais ditará o que é proibido!
Já que o Rei aqui sou eu, só eu decido!
Decidido agora está e impera o imposto:
“No exercídio do poder que aqui me é dado,
me condeno a ser preso e fuzilado,
Rei morrer pra que um outro seja posto.”