Como conquistar uma vaga eletiva8 minutos de leitura

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Com a aproximação de um novo ano eleitoral – desta vez de âmbito municipal, propício ao início de uma nova carreira que dispensa concursos, é bem remunerada e não exige trabalho –, é muito comum a retomada do sonho de conquistar uma mudança repentina na vida de pessoas que ainda não alcançaram sucesso, projeção e estabilidade.

Se você não tem uma profissão definida, está sem emprego e sem dinheiro, ou está descontente com sua situação econômica atual, não gosta de trabalhar, consegue mentir e sorrir sem ter vontade, não sabe o que é empatia e não se abala com eventuais ofensas que possa receber, esta é a oportunidade ideal para se lançar como político profissional!

Concorrência

Para enfrentar essa disputa, convém que você saiba que a concorrência é grande e muitas vezes desleal. Por isso é recomendável que você tenha um “cartucho” de peso, isto é, alguém que já esteja envolvido com a política e possa lhe ajudar de alguma forma. Mulheres têm 30% de cadeiras garantidas como candidatas; negros e pardos têm 20%, porém, nem sempre são beneficiados com verbas do Fundo Eleitoral, pois estas são controladas e distribuídas de acordo com a preferência dos caciques dos partidos.

Ainda dá tempo de se tornar amigo(a) de quem cuida do dinheiro. Apresse-se para ter alguma vantagem.

Prepare seus discursos

Os discursos são importantíssimos numa campanha. Procure garantir seu espaço em todas as ocasiões sociais e nos comícios eventualmente promovidos pelo seu partido. Não importa o partido que você escolheu ou que aceitou a sua candidatura, quase ninguém sabe o que é um partido ou para que serve. O que se sabe, quase sempre, é quanto dinheiro foi destinado ao partido com a partilha do Fundo Eleitoral, alimentado pelos impostos que pagamos.

Se você tem problemas em se comunicar com plateias, procure um curso de oratória, pratique em frente ao espelho e com familiares. Os discursos não devem ser mornos. Quanto mais você agir como um astro da música e puder impressionar com sua performance no palco, mais pontos estará conquistando.

Estudo de caso

Certa vez, um candidato a vereador me procurou para que eu escrevesse seu discurso. Ele estava ansioso por ter sido selecionado para participar de um comício. Perguntei a ele quais eram as principais bandeiras que ele defendia, e logo percebi que seria uma árdua tarefa, pois bandeira, para ele, era só aquela que permanecia no mastro da praça, já toda desbotada e puída.

Depois de esclarecido, ele me disse que defendia a saúde, a educação, a segurança… Ou seja, não havia nada de original! Todos os candidatos afirmam que defendem a saúde, a educação e a segurança sem ter qualquer projeto para melhorá-las.

Outra coisa trivial entre os candidatos a cargos eletivos (até mesmo para síndico de condomínios) é criticar a situação atual atribuindo a responsabilidade a quem ocupa a vaga pleiteada. A frase mais comum é: “Sou contra tudo isso que está aí” (não explicando a que se refere o “tudo isso”). É uma espécie de regra geral, não importa contra o que você lute, desde que seja contra.

O tal candidato, no entanto, não aproveitou o que escrevi. Simplesmente não conhecia muitas palavras usadas no texto. Tinha dificuldade para ler até as frases mais simples. Seu consolo era saber que outros candidatos (não poucos) estavam no mesmo nível. Abandonaram cedo os estudos. Alguns passavam seus dias esquentando os bancos da praça, sentados, conversando, olhando os pombos, com certa inveja das pessoas que por ali circulam com algum propósito.

Exemplos não são referências

É importante ter personalidade própria, ser diferenciado. Não é porque existe alguém que está cumprindo seu sexto, sétimo ou décimo mandato sem nunca ter feito nada a não ser assistencialismo barato que você terá a mesma sorte.

A compra de votos, além de proibida, só funciona para quem consegue uma fatia mais gorda do Fundo Eleitoral ou já é rico. E os eleitores não acreditam mais em ameaças de que seu voto será conferido na urna. Isso é uma balela. Recorra às promessas, diga que vai conseguir para o eleitor mais resistente uma vaga em sua equipe. Assim você terá vários papagaios de pirata seguindo você por onde for (como cachorrinhos famintos à espera de um pedaço de salsicha), transmitindo aos outros a sensação de que é admirado(a).

Entre as centenas de concorrentes haverá um ou dois com um currículo aparentemente respeitável. Os títulos que mais causam impacto são “Gestão Pública” e “Relações Internacionais”. Entretanto, as mentiras são mais convincentes que qualquer diploma. Então, MINTA! Os eleitores acreditarão em você.

A disputa

Em Santa Isabel, a remuneração atual de um vereador é de R$ 6.253,19, por isso o número de candidatos na última eleição quase chegou a mil. Nessas ocasiões os candidatos caem de paraquedas sem jamais ter aparecido antes. Boa parte deles se arrisca com a esperança de poder resolver seus problemas pessoais ou conquistar seus sonhos de consumo. Afinal, sua única obrigação é o comparecimento às quatro sessões semanais que acontecem a cada mês, com direito a recesso anual. Não é necessário conhecer leis ou apresentar projetos, sugestões, indicações ou moções, basta se vestir como se fossem a um casamento e ocupar a cadeira reservada. Não é preciso sequer falar.

A corrida por uma vaga na Câmara Municipal em 2024 promete ser ainda mais acirrada. Foi aprovado o “salário” de R$ 15.000,00 para os que forem eleitos vereadores, um aumento de 140% (cento e quarenta por cento!). Em função disso, espera-se que surjam candidatos que venham de outras cidades, como de costume, e em maior número, evidentemente.

O mandato

Considerando que a grande maioria vive hoje com dois salários mínimos, em média (R$ 2.604,00) – exceto os desempregados e marmanjos que ainda moram com os pais –, durante os quatro anos de mandato será possível amealhar mais de meio milhão de reais, fora os eventuais acordos de favorecimento com empresas interessadas em aprovar projetos e o ressarcimento de despesas (algumas com notas fiscais mentirosas), o que poderá garantir um faturamento extra interessante e livre de impostos. Portanto, sim, você pode enriquecer se for político.

Seu “cargo” será estável, você não será demitido, e usufruirá de outros benefícios. Só precisará sorrir para as câmeras, principalmente a câmera do fotógrafo contratado para fazer isso, e aparecerá nos jornais. Convém manter os dentes bem cuidados, pois é o que você mais terá que mostrar.

Evite entrevistas, a menos que tenha especialização em mentir. As entrevistas podem ser arriscadas e levá-lo(a) a dizer bobagens. Em vez disso, grave vídeos caseiros e publique-os nas redes sociais. Seja fotografado(a) ao lado de crianças, é positivo.

Se alguém cobrar produtividade, apresente uma indicação para dar o nome de uma personalidade local a uma rua, viela, praça, ou até a uma árvore; apresente uma moção de aplausos a alguém que seja conhecido na cidade (como o dono de uma padaria, por exemplo) ou um minuto de silêncio por alguém que tenha falecido. Se precisar, peça a ajuda de quem saiba escrever. Quanto mais registros você acumular, mais poderá usá-los como “realizações” nas eleições seguintes. E não se importe com a efetividade das leis, caso consiga aprovar alguma. Elas são feitas apenas para ficar no papel, não têm efeito real algum (veja, por exemplo, a lei que proíbe fogos de artifício com estouros).

A aprovação de leis é feita com o silêncio dos seus “nobres pares”, isto é, quando apresentada, se todos permanecerem em seus lugares e em silêncio, ela estará garantida. É moleza.

Conclusão

A profissão de político se tornou muito mais interessante que a de crítico, que era considerada a mais fácil. Só é mais disputada. Recomenda-se que, a partir de agosto, no ano da eleição, você saia às ruas, crie coragem e comece a apertar as mãos de desconhecidos, apresentando-se discretamente como candidato(a). Frequente todas as festas que puder, faça churrascos para os amigos, ria bastante, finja que gosta de todos. E lembre-se, você poderá se vingar desse sacrifício durante os quatro anos seguintes.

 

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