“O” Amigo6 minutos de leitura

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Dizem, e eu às vezes repito, que amigos de verdade a gente conta nos dedos de uma só mão, e ainda sobram dedos. E quando digo isto, a lembrança de Jair está sempre presente. Sem menosprezar os demais, esse é o cara que chamo de AMIGO – com todas as letras maiúsculas – com admiração, gratidão, reconhecimento, um verdadeiro irmão, daqueles que a gente gosta de ter.

Conhecemo-nos quando trabalhávamos na Kodak, há mais de quarenta anos e, curiosamente, não éramos próximos naquela época. Ele trabalhava em São Paulo, eu, em São José dos Campos, em departamentos “concorrentes”, tínhamos funções distintas; eu já era casado e pai de duas filhas, ele, solteiro, solteiríssimo. Sempre teve paixão por carros, e nesse particular gostava de sofisticação. Conservou um Ômega a álcool, adquirido de um amigo, durante muitos anos, e o mantinha como se tivesse saído da loja. Só se desfez dele quando começou a ter dificuldade para encontrar peças de reposição originais.

Nossa amizade só se reforçou nos anos noventa. Sua primeira investida no comércio foi com uma loja de suprimentos de informática, e foi dele que adquiri meu primeiro computador pessoal, um 386. Ele me avisou: “Isso é uma cachaça, depois que você começar a usar não vai querer largar”. Ele estava certo.

Jair enfrentou vários momentos difíceis, envolveu-se com gente mal intencionada, especialmente sócios. Foi assim com com a loja de informática, com uma franquia de transportes, o que lhe custou o apartamento. Por ser honesto, não deixaria dívidas pendentes, assumiu tudo sozinho. Houve uma época em que dividimos um escritório, num prédio da Avenida Perseu, no Jardim Satélite, em São José dos Campos. Mais tarde, em parceria com Ozílio Carlos da Silva – um dos fundadores da Embraer – enveredou-se na telefonia móvel, representando a Tess. Apesar de ter passado bom tempo na área de Tecnologia, tinha tino comercial, sabia fazer dar certo. Entretanto, foi somente em 1991 que acertou em cheio o caminho de sua ascensão profissional, criando a Fibromix.

O início da Fibromix

No início, comercializava apenas varetas de fibra de vidro, restringindo-se ao nicho de gaiolas e pipas; depois, foi descobrindo oportunidades de aplicação desse material em outros mercados, inclusive na indústria automobilística, e passou a criar seus próprios produtos, como o igloopet, uma cabaninha desmontável para animais domésticos. A diversificação cresceu, surgiu o Flybanner, as estacas para sustentação de mudas, as sinalizadoras (agro), os materiais compósitos, enfim, construiu um cadastro com mais de mil clientes regulares e chegou a atender até clientes de países vizinhos.

Não tinha medo de experimentar produtos que de alguma forma se aproximavam do segmento principal.

A pessoa

Seu lado humano não era menos admirável. Correto, justo, determinado, solidário como poucos que conheci. E único quando mostrava sua atenção ao me telefonar só para perguntar se eu estava bem. Isso era recíproco. Se eu ficasse sem notícias durante um certo tempo, procurava saber o motivo. Geralmente era por excesso de trabalho. Sem vícios, Jair era um sujeito vigoroso, adorava dirigir, encarava com prazer longas viagens de negócios, às vezes só para se apresentar pessoalmente a um cliente.

Numa das épocas mais duras da minha vida, quando, desempregado, morei numa “casinhoca” de três cômodos, ele comparecia e me convidava para um “passeio”; levava-me a um supermercado e dizia: “pegue o que você precisa”.

Em novembro de 2007, me pediu para construir seu primeiro site. À medida que eu evoluía, o site era aperfeiçoado, como um agradecimento. Isso acontecia a cada dois anos. Depois vieram outros sites, alcançando dez domínios diferentes, alguns apenas como redirecionadores para os principais. Hoje, seis domínios dele estão sob meus cuidados. Há uma confiança mútua e plena.

O choque

No dia 7 de dezembro de 2021, terça-feira, recebi uma mensagem de um de seus filhos, Rafael, me trazendo uma notícia triste:

“Meu pai está internado, desde domingo. Ele vinha agindo de modo meio estranho há alguns dias; semana passada piorou e de sábado para domingo piorou ainda mais. Ele vinha reclamando de dores de cabeça há alguns meses, e agora começou a apresentar desânimo e um pouco de fraqueza para andar. A princípio, achamos que poderia ser uma depressão, mas na última semana começou a esquecer as coisas. Enfim, o diagnóstico saiu hoje, e não foi nada bom. Ele está com um tumor no cérebro, de tamanho médio. O tumor está um pouco profundo e será feita uma biópsia na quinta-feira à tarde, para, assim, os médicos decidirem o melhor procedimento.”

Sinceramente, não me lembro de sofrer tamanho impacto em outras ocasiões difíceis. Não queria acreditar.

No dia seguinte, fui visitá-lo. Sua aparência era boa, apesar do avental hospitalar. Quando me viu, abriu um sorriso e disse: “Marião…”.

Fiquei ali pouco mais de uma hora, ouvindo o relato de sua esposa, Eliana. Decidi sair quando chegou o almoço, para não incomodar. Ele, então, levantou-se, se aproximou, sorriu novamente e disse: “Cavalo véio”. Assim ele se referia a mim em seus e-mails, apesar dos meus insistentes pedidos para que não fizesse isso. Mas eu compreendia aquilo como uma demonstração de carinho.

Os médicos disseram que não arriscariam a sorte numa cirurgia, pois certamente as sequelas seriam graves. Ficaram de estudar o caso para decidir o tratamento mais apropriado, se quimioterapia, radioterapia, ou ambos. Ali se encerrava a vida ativa de Jair.

Seu falecimento ocorreu no dia 18 de março de 2022.

Sinto saudades, AMIGO…

Adendo

Vi hoje (07/08/2022) um vídeo de Nelson Freitas declamando um texto de Vinicius de Moraes sobre amigos. O septuagésimo aniversário de Jair seria daqui a 8 dias. Dedico a ele essa republicação do vídeo.

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